terça-feira, 6 de maio de 2014

Selfie do dia

Selfie do dia


Não sei se escrever sobre isso me colocará em maus lençóis ou me fará perder a moral. Confesso. Sou sim um grande adepto desse fenômeno bastante curioso e revolucionário: o ato de tirar uma foto de si mesmo e postar nas redes sociais. Mas o que está por trás disso? Somos todos sozinhos ou estamos solitários?


Pra quem ainda não sabe, um selfie não é uma foto qualquer como aquelas que tirávamos há algum tempo e esperávamos ansiosos pela revelação que vinha numa sacolinha acompanhada do negativo. Naquela época fazer uma foto de si mesmo era um tiro no escuro, queima de cartucho. A tecnologia não nos possibilitava esse risco e tal atitude nem pegava bem. Era pecado. Os vaidosos eram odiados pelos bons costumes. E ninguém ousava pagar de maluco recebendo feixe de luz de uma câmera Kodak na cara. Na melhor das hipóteses quando tirávamos uma foto do nosso rosto, dias depois tínhamos em mãos as fotos do nosso pé.

 Mas nem precisamos ir muito longe, com as câmeras digitais já ficou bem mais fácil. Era uma questão de encontrar um ângulo certo e click-flash pra quantas fotos fossem necessárias. Depois de muitas tentativas, tínhamos o trabalho de fazer uma reciclagem, descartar as ruins, fazer o download no computador e deixá-las escondidas numa pasta qualquer como uma poeira que jogamos pra baixo do tapete. Foto de si mesmo ainda era considerado vaidade em excesso. Estávamos com a individualidade em fase de amadurecimento.

O mundo mudou. Os valores se inverteram. E quem ainda não baixou a versão atual da vida moderna, ainda dá tempo.

Expor-se, ainda que seja ao ridículo, está super em alta. Aparecer com uma melancia na cabeça, também. É o último grito do mundo globalizado. Vale tudo, até selfie de casal depois da transa. Ganha, quem aparecer mais, tiver mais seguidores, mais curtidas, mais coragem de dar a cara pra bater.

 Os smartphones e seus aplicativos nos possibilitaram um selfie de verdade. Mas ainda é cedo pra dizer se estamos ou não preparados para lidar com tanto avanço. As pessoas ainda não têm noção dos perigos da Internet.

Um dia desses, entrando num banco vi um sujeito fazendo um selfie em frente ao caixa eletrônico. Podem rir, mas não queiram presenciar uma cena dessas. Achei aquela exposição desnecessária, mas guardei essa observação pra mim. E o mais interessante é que ninguém ficava chocado, na verdade não davam a mínima. Hoje, cada um vive sua vida como quer, o que é bastante atrativo ao meu ponto de vista. Mas nesse “Combo liberdade” que nos venderam, compramos a individualidade, o egoísmo, o culto ao umbigo, nos empurraram a ideia do desapego goela abaixo e pagamos com a solidão, ainda que em suaves prestações.

Estamos todos conectados, mas espiritualmente off line.

Os selfies superaram a realidade. Tornaram-se mais importantes do que o registro do homem na lua. Mais rápidos do que a notícia de um jornal, mais práticos do que encontrar-se com uma pessoa e descobrir que ela é cheia de defeitos, que não fica bem na foto o tempo todo, afinal, somos todos humanos. A humanidade já se relaciona através de uma conexão Wi-fi, selfie to selfie – todos unidos artificialmente nas redes sociais. O futuro já chegou e quem previa isso merece uma estrelinha na testa.


O mundo de hoje é para os que driblam a solidão, para os que convivem com a ideia de sexo descartável sem tempo ruim pra ressaca moral, para os que trocam o ócio criativo zapeando a tela do celular e “curtindo” a vida alheia. E o que estamos curtindo de fato? Quem está em Paris em frente à Torre Eiffel, por exemplo, está mais preocupado em postar um selfie do que aproveitar a atmosfera francesa. Depois de trinta fotos da mesma posição em que a diferença é visivelmente nula, passa-se por um filtro, posta-se no Instagram, compartilha-se no Facebook, joga-se no Twitter, muda-se a foto de perfil do Whatsapp e espera-se que as curtidas comecem. É um desafio diário pra nossa autoestima. Quantas pessoas irão nos curtir, nos seguir, deixar um comentário, quantos vão notar ou ter a impressão de que nossa vida é badalada? Quantas pessoas irão perceber a nossa existência, que merecemos aplausos, sermos amados e recebermos o elogio que nossos pais economizaram?

Percebem o rumo que estamos tomando? Postem um selfie e testem o seu poder artificial de admiração. Mas vai um conselho: não levemos essa prática muito a sério. Estejamos no mundo sim, mas sem fazer parte dele. Renato Russo já tinha previsto, “A solidão é o mal do século”. Só sobrevive aquele que tiver a inteligência emocional apurada.

Eu mesmo tenho os meus lapsos de vaidade e até tiro sarro dessas situações nas redes sociais com inúmeras fotos que insinuam um “Projeto verão 2014”, todas sem camisa, com os músculos à mostra, pele bronzeada, mas diferente do que possa parecer, não faço disso o meu projeto de vida. Faz bem sim pra autoestima, é saudável, mas procuro me policiar pra que a minha mente acompanhe o meu corpo e entenda que a qualquer momento passarei de garotão para um senhor de idade, sem que nada disso me tire o brilho nos olhos.

A vaidade é uma armadilha para a nossa essência. É importante entendermos que a tecnologia fez o homem ir a Lua e o tornou incapaz de pisar dentro da própria alma. Hoje tudo e todos estão isolados - até o Whey Protein. Cada vez mais estamos nomeando os colegas de amigos e procurando um porto seguro nos consultórios psiquiátricos, porque falar de sentimentos é ser carente. E na sociedade egocêntrica de hoje, a carência é um mal tão temido quanto um câncer.

Bruno de Abreu Rangel