sexta-feira, 27 de junho de 2014

De galho em galho



Quanto tempo duram os nossos relacionamentos?

        Um mês, seis meses, um ano, oito anos. Quiçá cinquenta. Para quem chegou ou está caminhando em direção à ultima opção, aqui vai a minha salva de palmas. Eu mesmo, o máximo que cheguei foram dois anos, seis meses, vinte e sete dias e oito horas. Mentira! Não sou tão metódico a esse ponto. Mas o tempo aproximado é bem por aí. Li em alguma revista de curiosidades, que relacionamentos gays são tão intensos que a contagem é a mesma dos cachorros, multiplica-se por sete. Será? Fica a dúvida no ar.
Era noite de Sexta feira. Quatro amigos; uma garrafa de cerveja; flashback dos anos noventa tocando ao fundo e baralhos nas mãos. Entre o vai e vem das cartas surge o assunto: Qual o tempo máximo vocês já namoraram?
Como se a carapuça tivesse servido perfeitamente em mim (vou levar duas, por favor), tive a impressão de que aquele questionamento fosse uma indireta e fiquei logo na defensiva, já que sair correndo não ia adiantar muito.
‘Perdi a batalha, melhor me contentar em vencer o buraco antes que me joguem nele’, pensei.
Dito e feito.
Mal começaram o jogo das especulações e já pediram que eu colocasse as cartas na mesa. Não as do baralho, mas as da vida real. Isso, de imediato, me fez lembrar de um incidente com uma colega de trabalho em que, no auge de um desentendimento, deixou escapulir:
- Por isso ninguém te aguenta, não dura em nenhum relacionamento, você é muito difícil de lidar. Precisa rever seus conceitos e parar de ficar pulando de galho em galho.
Pequenas verdades que as pessoas dizem sem ter noção do estrago que fazem no nosso mundo íntimo. Fazemos cara de blefe, fingimos que não é com a gente para não demonstrarmos fragilidade como num jogo, dizemos qualquer besteira para não perdemos a oportunidade da última palavra, quando na verdade levamos uma dúvida a mais para o nosso travesseiro – mais um buraco na alma.
Por ironia do destino, ainda que em nenhum momento eu tivesse lhe desejado mal, soube que o casamento dela não foi pra frente. Estaríamos então no mesmo barco? Fazemos parte do mesmo jogo da vida? Porque os relacionamentos não duram?
Voltando para a mesa com os amigos, o meu parceiro de jogo decidiu compartilhar a sua experiência. Disse que nunca consegue passar mais de um ano com a mesma pessoa, como se aquele fosse o tempo máximo determinado pelo seu inconsciente. Contou-nos, entre risadas, que certa vez teve um romance eletrizante de quinze dias em que planejaram uma viagem para Tailândia e, antes mesmo de quitar as prestações, recebeu um “pé na bunda” via Whatsapp. Simples assim, sem chances do Tête à tête. Senti uma admiração enorme por ele. Apesar de não ter tido muita sorte com esse lance de amor, tinha senso de humor e coragem para assumir os seus fracassos sem blefar, sem a arrogância de se esconder atrás das cartas e falar com o peito cheio: eu quem terminei o namoro e blá blá blá. Essas mentiras que as pessoas contam pra elas mesmas.
Enquanto o assunto rolava, um jogador da dupla adversária ia baixando as cartas até terminar a sequência com um rei. Coincidência ou não, a sua história parecia um conto de fadas, com direito a castelos, reis e rainhas, ou, reis com reis. Seus namoros sempre foram longos e está firme com o atual há quase seis. Apesar dos trancos e barrancos, de matar um leão por dia e driblar a insegurança conjugal, é uma prova fidedigna de que sim, dá pra viver uma vida a dois nos dias de hoje independente da sua sexualidade. É preciso que os dois lados queiram muito. Se fossem cachorros teriam 42 anos de casamento e... Bodas de Prata Dourada pra eles! Palmas, por favor.
Pra minha surpresa o seu parceiro de buraco era o oposto, não se apaixonava há tanto tempo que dava pra notar um olhar vago, com pouco brilho e um discurso decorado do tipo “Estou muito bem sozinho, obrigado”, e já foi mudando de assunto:
- Mas e a Copa? Vai ter Hexa ou não?
Envelhecer sozinho, solidão, morte é algo que amedronta qualquer um, ou então eu exagerei no vinho enquanto escrevia esse artigo.
Existe uma passagem de Arnaldo Jabour que ilustra bem esse tema:
Sempre acho que namoro, casamento, romance, tem começo, meio e fim. Como tudo na vida.

Detesto quando escuto aquela conversa:
- Ah, terminei o namoro...
- Nossa, estavam juntos há tanto tempo...
- Cinco anos.... que pena... acabou...
- é... não deu certo...

Claro que deu! Deu certo durante cinco anos, só que acabou. E o bom da vida, é que você pode ter vários amores.”
É bem verdade. Tive muitos romances, “pegações”, alguns equívocos, mas também grandes amores que me tiram um sorriso no canto da boca quando me recordo. E todos eles contribuíram para eu ser quem sou hoje. Sendo uma pessoa difícil ou não, é de galho em galho que criamos a nossa história, damos vida ao personagem que muda de acordo com os acontecimentos, isso é amadurecimento.
Um dos grandes amores da minha vida já cuspiu um monte de verdades na minha cara. Brigamos, nos perdoamos, brigamos de novo até que decidimos separar as escovas de dente, definitivamente e nos tornamos amigos. Estamos juntos há quase dez anos: deu certo! A intimidade e a cumplicidade que se cria num relacionamento não é algo que se descarta no lixo, mas se recicla e se transforma.
Quando eu ainda trabalhava no Copacabana Palace, um casal de milionários comemorava seus trinta anos de casamento e, num diálogo pouco informal que travávamos, tive a audácia de perguntar o segredo de estarem tanto tempo juntos e a esposa respondeu prontamente entre goles de champanhe: viajar, ir pra um lugar paradisíaco, fugir da rotina, respirar novos ares, vivenciar novas histórias, nossa mente precisa desse descanso pra recomeçar. Faz sentido, mas como ela explicaria o fato do porteiro do meu prédio ser casado há mais de quarenta sem ter um tostão para ir à esquina, se quer? Cada um encontra o seu segredo para seguir adiante.
Se eu não for capaz de manter um relacionamento por quarenta anos, desejo que, de cada galho que eu passar, possa cultivar uma amizade e me tornar um velhinho rodeados de pessoas queridas que vão me acompanhar nos jogos de damas numa pracinha pacata, trocar figurinhas sobre remédios, ou estar num momento como esse: jogando cartas na mesa – isso já me quebraria um galhão. 

Bruno de Abreu Rangel