sexta-feira, 20 de novembro de 2015


Estamos sozinhos por escolha, ou estamos escolhendo demais?

Não está sendo fácil pra ninguém. Esse mercado dos solteirões está ficando cada vez mais inviável. A grande maioria das pessoas está se colocando na vitrine de forma inconsequente, escancarando o produto, incrementando o rótulo com informações fúteis, criando uma campanha de marketing monstruosa sobre si mesmas, fazendo o diabo para tentarem se vender a qualquer custo. E quando alguém ousa ter interesse elas simplesmente se desinteressam - de imediato - e correm de volta para a vitrine: ‘Opa, vou tentar um partidão melhor, ou quem sabe, alguém que não me queira’. Assim funcionam os encontros e desencontros da extraordinária sociedade dos encalhados, dos que estão na pista e nunca fecham negócio, dos que pedem orçamento o tempo todo e na hora de firmar um contrato, cag*m na própria cabeça.

‘- O que você vai fazer na Quarta?
Malhar perna.
- E na Quinta?
Braço.
- Afim de pegar um cinema?
Porque a gente não se pega aqui mesmo? ’

Com o receio de levar bolo, muitos estão se contentando com a torta de climão, que é o que acontece quando alguém sai com você e no dia seguinte finge que nem te conhece.

No instante em que a gente transa com alguém (seja qual for a intensidade ou a qualidade), descobrimos que o interesse desaparece pelo menos pelas próximas 24 horas. E olha que isso ainda depende da sua idade. À medida que as primaveras vão se passando e você vai ficando mais velho serão 48, 72, 96 horas.... Se o sexo for motivo de primeira necessidade para você estar com alguém, seja bem-vindo à high society dos titios, que apesar de ser uma sociedade aberta é bastante limitada.

No universo dos meninos que beijam meninos a situação é ainda mais agravante. É preciso muita criatividade para ser notado e sair do anonimato. Você, no mínimo, tem que ter uma paciência de Jó pra entrar num surto esquizofrênico e inventar uma historinha sobre si mesmo tendo que se enquadrar numa das 3 fatídicas opções: a) Pagar de modelatriz b) Jurar que é DJ ou, c) Portar-se como uma celebridade inatingível, exatamente como aquele povo que tem um Instagram com o perfil “Oficial”, dando a impressão de que todos estão tentando se passar por eles.

Já posso me jogar do décimo andar?

Num mundo onde há mais gente no palco do que na plateia é de se esperar que grande parte termine sobrando. Os princípios básicos da economia não me deixam mentir, quando a oferta é maior do que a procura o preço tende a desmoronar. E o que antes parecia ter tanto valor, no final das contas está sendo negociado a preço de banana – ou sendo vendido por uma banana mesmo (desde que esta tenha mais de 15 centímetros). Daí é troca de salivas e um chutão na bunda, praticamente uma tortura sentimental que vai do erótico ao neurótico, de diva para o divã. As pessoas se enforcam e nem se dão conta. Enquanto isso, o mercado da psicologia bomba e os médicos da saúde mental estão acumulando rios de dinheiro.

O último grito na Via-Láctea dos encalhados é estar livre e desimpedido esbanjando felicidade no Facetruque, fingindo fazer parte de um grupo seleto, escondendo do mundo que viaja em 37 parcelas, ou que levou um fora do cara menos interessante do Ocidente. Da boca pra fora a gente realmente pode ser o que quiser, mas fazer propaganda de que é feliz solteiro e precisar comer um pote de Nutella, ou usar drogas até quase morrer só pra preencher um vazio emocional – desculpa, mas não vale. Isso é tapeação.

Leva tempo até descobrir que a fixação pela liberdade é pura conversa fiada. A gente cresce querendo ser livre, ganhar o mundo, ser independente, acreditando que não precisa de ninguém. E com o tempo a gente percebe que o nosso poder, o nosso corpo sarado, as nossas riquezas. Essas são as nossas prisões.

A pergunta que devemos nos fazer é: estamos sozinhos por escolha, ou estamos escolhendo demais?

Sem essa de alienação. Sabemos que as relações estão mudando e que a individualidade (que não tem nada a ver com egoísmo) está super em alta. No entanto, estar sozinho por escolha é conviver bem consigo mesmo, é conseguir enxergar um casal na sua frente sem se sentir ameaçado com o bem-estar alheio. Escolher demais é cair na armadilha de achar que o mundo nos deve homenagens, é exigir parceiros com um padrão muito além do que oferecemos, é sair por aí ostentando que se ama quando na verdade, está mendigando por companhia.

Bruno de Abreu Rangel




quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Liberdade: a coragem de ser você mesmo



Quem já leu o livro A coragem de ser você mesmo, deve ter associado o título logo de cara. Eu li e reli a obra, de cabo a rabo, pra tentar assimilar os ensinamentos de Osho, que me deixavam boquiaberto a cada página devorada. Numa de suas passagens mais marcantes ele nos convida a refletir: nossos pais nos falaram sobre Deus, e o que eles sabem sobre Deus? Qual a experiência que tiveram?

O mestre na arte da meditação matou a charada, estamos repetindo padrões de gerações. Os pais impossibilitam os seus filhos de investigarem sobre a própria existência, tirando-lhes a chance de descobrirem quem são: você é batizado se nasce num lar cristão, circuncisado se tem origem judaica, matriculado numa escola trilíngue se é filho de diplomatas. E nada disso lhe foi perguntado. Quando você cresce se sente uma carta fora do baralho, vivendo uma vida que não é sua, com a cabeça encalacrada de perguntas existenciais.

E é bem por aí. Com o passar dos anos nos tornamos numa pessoa cheia de pré-conceitos, com uma penca de inverdades e uma merrequinha de coragem para aceitar o nosso “Eu” que fica entalado na garganta, porque o mundo não tem o menor interesse em saber sobre nós.

Assim acontece com a maioria das pessoas que se descobrem gays, por exemplo. Elas crescem sendo induzidas ao matrimônio tradicional, a seguir todo o ritual como manda a apostila dos bons modos, são adestradas a entender que futebol é esporte de macho e romantismo é coisa da ala feminina. E na maioria dos casos, a firmeza de espírito para enfrentar uma situação emocionalmente complicada vem com os primeiros fios de cabelo branco, para alguns nem vêm, pois o preço é alto – e não estou falando apenas de sexualidade, mas do esforço para olhar-se no espelho da alma sem se intimidar com o que vê. A vida sem maquiagem é muito mais interessante, mais natural, mais leve.

Somos condicionados o tempo todo e o segredo pra fugir do sistema é fazer as malas e embarcar numa aventura sem volta para o autoconhecimento. Talvez quando criança a casa dos seus pais fosse azul e por esse motivo você se apaixona por tudo que tem a cor do céu; de repente, em algum momento, você admirou alguém de pele morena e hoje tem uma queda por pessoas dessa natureza; na adolescência assistiu a um documentário sobre proteger vidas e decidiu tornar-se num policial porque adrenalina e senso de defesa estão no seu DNA; existem também as tristezas pessoais, os traumas que a gente esconde do Facebook e mantêm guardados numa caixinha com o receio de que alguém um dia descubra nossas fraquezas: assim somos nós na íntegra – versão sem cortes.

A parte boa de amadurecer é ter a desenvoltura de sermos nós mesmos, autonomia para assumir o nosso papel sem fazer teatro, sentar numa mesa de bar apenas com pessoas que nos acrescentam sem precisar ficar naquela mise-en-scène toda (função de fazer sala com sorrisos ensaiados), considerar que é uma grande bobagem gastar a voz com indivíduos que estão em outra sintonia, reconhecer que em alguns momentos teremos pensamentos insanos, pontadas de ciúme, surtos de inveja, crises de amor-próprio, um medo de fazer xixi nas calças por motivos tolos, dúvidas e indecisões que vão nos manter acesos nas madrugadas em que todos estão com as luzes apagadas. “O importante é ser você, mesmo que seja bizarro, seja você”. É verdade Pitty, também estamos nessa pegada.

Da meditação ao rock a mensagem é a mesma: desprendimento, aceitação e liberdade, que vem com um leque de aprendizados. Pra ser mais feliz é preciso coragem, valentia pra ligar aquele botãozinho do *oda-se e escutar de fato o que a nossa alma pede. Os tempos são outros e a evolução espiritual vai muito além do que as pessoas pensam sobre nós.

                                                                                                                                    
Bruno de Abreu Rangel

domingo, 18 de outubro de 2015

A vida sexual da bicha feia




Quem achou que esse texto fosse tirar o sarro dos que não fazem parte do mundinho das beldades - perdeu a viagem. Não tem, inclusive, nenhuma relação com o livro A vida sexual da mulher feia de Cláudia Tajes, que por sinal, é uma fonte de humor com gargalhadas garantidas.

A bicha feia representada aqui é aquela criatura que tem atitudes horrorosas quando está no ápice do cio e que deixa escapar os seus sentimentos mais toscos. Em tempo, nunca é demais lembrar que a beleza é um estado de espírito (desculpem, mas é verdade). Conheço muitos feios lindos e muitos bonitos que são um belzebu : tudo está associado ao contexto que a gente se apresenta. É uma questão de porte, sensualidade, ser original, autoconfiante, ter pegada forte... Esqueci alguma coisa?

Água milagrosa: a pessoa é tão religiosa que mesmo na pista de dança não desgruda da garrafa d’água e até leva um terço... Um terço da boate pro banheiro – pra rezar. É você dar uns goles dessa maravilha líquida para entrar em ebulição e mandar o critério pra Pindamonhangaba. Nem Santo Antônio, o casamenteiro, faz tanto milagre assim. Quando Nossa Senhora da Colocação entra em cena não tem pra ninguém, tudo que é feio fica bonito como num passe de mágicas. Depois que a boa sensação passa, a atração vira repulsa e o circo está armado: todo mundo se odeia, ou finge que nunca se viu. E não há Quarta Feira de cinzas que resolva tanto arrependimento. Meio mundo se pagando de santo. #estamosdeolho.

A cilada do Instagram: a pessoa já está emocionalmente sensível procurando por uma companhia, ou uma rapidinha que seja, e encasqueta de inventar um estilo de vida “pra lá de ousado”, além de empanturrar a foto de filtro pra se parecer com algo que não é? Gente viciada em adrenalina, só pode. Depois a pessoa toma um baita NÃO estratosférico e tem que se esconder num buraco do tamanho da camada de Ozônio. Às vezes menos é mais e popularidade não tem nada a ver com beleza. 

Mocréia fofoqueira: ir para a cama com alguém que tem 728 amigos em comum é o mesmo que sair com os 728. Acredite, essa interseção é uma certeza matemática. Nesse meio o que mais tem é gente linguaruda e despeitada querendo contar vantagem. Fique ligado. Algumas condutas realmente nos dão mais canseira que o pente da Maria Bethânia.

A foto eterna: se o indivíduo está enfurnado num aplicativo de relacionamento e pretende encontrar-se com alguém nos próximos 3 dias qual o sentido de enviar fotos de 3 anos atrás? Precisamos refazer essas contas. A gente nunca sabe quem está do outro lado. Vai correr o risco de ser enxotado, ou levar um choque de realidade? ‘Você não é o cara da foto!’ Se no Carnaval você estava mais sarado do que na Páscoa, OK. Então vamos fazer uma foto de Páscoa? Ninguém merece viajar no túnel do tempo à força. A grande sacada é confiar no próprio taco e jogar com as armas que você tem agora. Nada é eterno, o que dirá uma foto.

Os psicopatas dos Apps: já pincelei sobre esse assunto em O vilão do Grindr, mas não custa nada fazer a linha do “eu avisei”. Alguém poderia explicar por que cargas d’agua um sujeito cisma em criar um perfil falso usando fotos de terceiros só pra pegar alguém na boca da botija? E a troco de quê? Que diferença isso fará em suas vidas? A insanidade mental anda tão em alta que esses santos do pau oco subiram num pedestal e ficaram incapazes de olhar o próprio rabo. O mais intrigante é o fato de eles se sentirem aliviados quando descobrem um “podre” de alguém porque, só assim, suas vidas mixurucas se tornam aparentemente mais atrativas. Para que tá feio. 

Pelo que se vê, não é preciso muito esforço para tornar-se num tribufu sentimental. Mas quem que ir malhar a mente, ou fazer uma dieta rica em caráter e empatia? Ninguém quer. Enquanto isso, estamos lotando os salões de beleza pra disfarçar toda a feiura que existe dentro de nós. E talvez, por esse motivo a velhice amedronta: é o receio de não sobrar nada que valha a pena.


Bruno de Abreu Rangel



segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Meninos que roubam namorados


No Rio de Janeiro isso é bastante corriqueiro. Você conhece um partidão na balada, fica entorpecido com tamanha química, com o beijo que é uma delícia, e quando pensa em trocar contato com o rapaz ele já se foi com o seu telefone (no caso o aparelho mesmo). Mas não é sobre esse tipo de roubo que quero falar.

Enfim, vamos começar pelo básico do básico. Se um menino está namorando outro menino, logo eles têm um relacionamento. Até aí tudo bem? Para que seja possível tentar algo mais sério com qualquer um dos dois o ideal é esperar que o namoro atual termine. Vamos respeitar a vez do coleguinha?

Mas parece que muita gente anda furando fila – e o olho - também.

O mais curioso sobre esse assunto e que eu não posso deixar de citar, é a dificuldade de encontrarmos a tampa da panela quando estamos livres e desimpedidos. Ficamos com aquela sensação mórbida de fazermos parte da vitrine dos encalhados e, na maioria das vezes, as pessoas nos enxergam como meros pedaços de carne, ou no máximo, uns belisquetes de boteco que vêm com cervejinha de acompanhamento. Quer ter todos os homens do mundo aos seus pés? Então vai aqui um conselho infalível: arrume um namorado.

Seguindo a lógica de que “Uma andorinha só não faz verão”, é você se juntar à outra andorinha pra aparecer um bando de urubus querendo roubar o que “é seu”, ou te roubar do outro. A psique humana é tão masoquista, que se o pai da psicanálise, Sigmund Freud, ainda estivesse vivo iria bater com a cabeça na parede até sangrar só pra poder entender o que leva algumas pessoas a terem interesse pelo que é do próximo. Na minha terra isso se chama inveja, cobiça, falta de respeito. Mas o mundo real é terra de ninguém, e muitos passam por cima de qualquer valor.

Há alguns anos eu estava vivendo o “felizes para sempre” com certa andorinha, até que do nada surgiu um urubu e começou a me rodear, dizer que eu era sensacional, incrível e que moveria montanhas para ter a minha companhia (era um urubuzão bem interessante, por sinal). Depois desse, apareceu outro e mais outro. E logo pensei com meus botões que meu magnetismo estava em alta, mas preferi não trocar o certo pelo duvidoso e segui plainando pelos céus da vida. Até que num belo dia, não tão belo, cortaram minhas asinhas: levei um belíssimo pé na bunda. Quando aconteceu? Na véspera do carnaval. Tipo assim, o vale da carne seria Sexta e fui enxotado na Quinta à noite, sem ter tempo hábil para um plano B.

Curtir fossa nunca foi a minha praia. Então tive uma péssima grande ideia: procurar os três urubus que ficavam ciscando o meu relacionamento. O primeiro mal atendeu ao telefone e já fui logo contando que estava na pista. Ele respondeu: somos dois, e me desejou um bom carnaval (um fofo). O segundo disse que estava entrando no túnel Rebouças e que retornaria a ligação, pelo andar da carruagem deve ter ido parar na China. O terceiro não consegui ouvir direito o que ele dizia, mas pela voz da Ivete Sangalo ao fundo, estava em cima de um trio elétrico em Salvador - abadá bombando. Então, me restou aceitar o fato de que eu teria me tornado numa andorinha solitária, sem urubu, sem verão, sem carnaval e sem forças pra encarar bloquinho de rua. Com o coração depenado, decidi chorar bastante pra limpar a alma, e as lágrimas caíam em cima do Grindr (porque, lógico - eu não estava morto).

O grande lance da vida é poder rir de si mesmo.

Por ironia do destino. Comecei a namorar outra andorinha alguns meses depois, e então os três urubus voltaram e mais outros surgiram para atazanar a minha vida na nova temporada de “quero ter o que é dos outros”: como o ser humano é previsível.

 Pessoas mal resolvidas têm a necessidade de demarcar território, medir o seu poder de atração o tempo todo, abastecer o ego com competições bestas e costumam colocar a autoestima em patamares insuportáveis. A falta de vergonha é tanta que fica escancarada na face – ou no Face.

Esses dias foi comentado, numa roda de amigos, sobre um sujeito que anda “roubando” namorados através das redes sociais. Ele visualiza o perfil, verifica se o status do relacionamento é sério, entra num curto circuito de cutucadas e sai distribuindo likes em todas as fotos a torto e a direito. E quando o alvo morde a isca ele se sente aliviado em saber que o amor daquele casal não é tão forte. Assim sendo, ele perde o interesse de imediato, recolhe a sua pequenez de sentimentos, e pula pra outra. É isso mesmo, produção?

Quando achei que já tinha escutado o bastante surgiu a história de outro cuja atração era somente por rapazes que tinham envolvimento com o seu melhor amigo, e os maus exemplos foram se enfileirando de forma que daria pra lotar uma pool party. É o tipo de assunto que chega a dar ânsia de vômito.

Quando os nossos olhos se voltam para o que é dos outros, a nossa vida para. Nada vai pra frente. Algumas pessoas são, seguramente, mais invejosas e há muita coisa envolvida nisso, pois casa na praia, carro importado, helicóptero... Se você erguer as manguinhas, der todo o seu suor e até usar dos mais variados artifícios (nem quero saber quais são), você consegue alcançar o seu objetivo. Agora, um verdadeiro amor... Algumas pessoas se amam numa tarde mais do que muitos amam numa vida inteira. E é natural que isso incomode.

Se quiser proteger o seu romance é melhor ser mais discreto, amar sem fazer estardalhaço, ter a consciência de que Facebook não é diário, porque se o mundo não dá conta dos que roubam celulares, o que dirá prender os ladrões da vida alheia.

Bruno de Abreu Rangel

terça-feira, 1 de setembro de 2015

O que a gente faz com a nossa vida enquanto a morte não acontece?



O último beijo

- Amor, cadê você? Estou indo para o trabalho, quero o meu beijo.  Anunciou ela com a porta da sala já entreaberta.

- Agora estou com a boca toda suja de iogurte e você tem aquela reunião importante hoje, esqueceu? Não pode se atrasar para o voo. Esbravejou ele da mesa da cozinha entretido com o noticiário da manhã.

- Ok. Smack smack smack. Fui!

- Te amo. Ah! Está levando a sua chave?

A porta já tinha sido batida. E sim, ela se esqueceu das chaves e ele – do beijo.

*********

De certo modo a gente anda realmente bastante atarefado, esquecendo nomes, aniversários; adiando aquela viagenzinha a dois na serra; a visita à avó que está fazendo hora extra no mundo; estamos deixando pra depois aquela geral no guarda roupas pra se desfazer das peças que nunca usamos; o telefonema pra mãe que está levando chá de cadeira. E quando conseguimos uma trégua, ficamos distraídos com a boca suja de iogurte.

Se a minha memória não anda falhando me recordo de que nos tempos de moleque existia uma gaveta com roupas exclusivas pra passear. Era praticamente crime usar uma blusa de Domingo em plena Segunda Feira. E a pena era pesada: dois dias sem assistir ao desenho favorito.  São os nossos pais nos adestrando em pensar que o amanhã é mais importante que o agora. Depois, com as espinhas, vieram os perfumes importados liberados somente em ocasiões importantes, e quando a barba coloriu todo o rosto veio aquele lero lero da casa própria (ter que economizar até o que não tem pra ter onde cair morto).

Na maioria das vezes as coisas não saem como a gente espera, e poderíamos ser muito mais felizes do que somos se a gente se desprendesse mais dessas fórmulas testadas e aprovadas pelo departamento das pessoas que já nasceram com tudo. Haverá sempre uma desculpa esfarrapada pra viver o amanhã: sonhar com um novo projeto mirabolante, perder mais dois quilos na próxima semana, fazer uma nova faculdade, comprar uma segunda casa, dar outra volta ao mundo, abrir mais uma empresa. O que a gente faz com a nossa vida enquanto a morte não acontece?

*********

Nesse dia, o marido se esquivou de um simples beijo com a desculpa de que ela poderia se atrasar, de que a sua boca estava suja (como se fosse preciso mover o mundo para usar um guardanapo), porque o noticiário cuspia uma revelação bombástica e ele não poderia perder por nada, pois tinha a certeza ilusória de que mais tarde a esposa voltaria com uma novidade esplêndida: a reunião do trabalho teria sido um sucesso. O tão esperado apartamento no Leblon ia, finalmente, sair do papel. Abririam aquele Cabernet Sauvignon comprado numa viagem à França e que já estava dando teia de aranhas. E então, fariam amor até o sol raiar.

Esse dia nunca chegou.

A garrafa de vinho nunca foi aberta.

E o apartamento do Leblon veio mundo abaixo quando o marido recebeu uma ligação para reconhecer o corpo. Do outro lado, uma voz, quase que mecânica, de uma pessoa que está acostumada a dar essas notícias de quinze em quinze minutos. E no lado de cá da escuta, um arrependimento que despedaça e nos transforma em pó.

‘- Amor, cadê você? Estou indo para o trabalho, quero o meu beijo. ’

Um arrependimento que adoece. A culpa de não ter tocado os seus lábios, sujado a droga da camisa de Domingo. A dúvida de que se talvez tivesse feito aquele pequeno gesto de amor teria evitado o acidente. Ou não, quem vai saber?

‘- Agora estou com a boca toda suja de iogurte e você tem aquela reunião importante hoje, esqueceu? Não pode se atrasar para o voo. ’

Desde que o ‘Eu te amo’ virou bom dia a gente anda colocando os sentimentos no modo avião. Falta conexão, mais verdade, mais olho no olho, mais vontade de estar juntos, mais cama desarrumada, mais obscenidades no cangote, mais fins de semana com pipoca jogados no tapete da sala. Porque a gente nunca sabe quando será o último dia, o último beijo, o último ‘Mô, estou chegando em casa’.

- Te amo. Ah! Está levando a sua chave?’

Precisamos ter mais criatividade pra amar num quarto e sala sem ficar naquela tortura patética de viver numa mansão à beira-mar. Entender que não importa se alimentamos, vestimos e damos o melhor aos nossos filhos, o que conta no final, é colocá-los no nosso colo e dizer o quanto os amamos – esse é o maior alimento para o espírito e que, certamente, os livrarão dos remédios tarja preta no futuro.

Mas o marido acordou a tempo. Saiu correndo, berrando com os pulmões, e alcançou a sua felicidade bem no elevador:

- Amor, aqui está a sua chave, eu te amo muito. Você me faz muito feliz, sabia? Se a reunião não sair como o esperado não importa, a gente dá um jeito. Estarei sempre esperando você voltar porque o seu sorriso é o meu oxigênio.

Ela sorriu com os olhos, sem conseguir expressar tamanha alegria. Passou-lhe as mãos na boca limpando o iogurte e despediu-se com um beijo daqueles de cinema.


Bruno de Abreu Rangel


sexta-feira, 24 de julho de 2015

O ciúme é um daqueles demônios que nos destrói aos poucos


Não há nada mais confortante do que uma noite calma, o barulho da chuva lá fora, um friozinho capaz de grudar os corpos como um Super Bonder e, no meio da madrugada, você ser acordado com um beijo no cangote seguido de um sussurrado ‘Eu te amo’ deixando-lhe aquela sensação única de que a vida vale a pena.

Melhor do que isso – só a digital.

Pela digital você aproveita o fato de ter sido acordado involuntariamente, sai de fininho da cama pisando com as pontas dos dedos como num desenho do Scooby doo (nem sei se ainda passa isso na TV, ou estarei entregando a minha idade), pega o celular ultramoderno do seu amor, aproxima o dedinho dele (a) e... Tcharaaaaam. Tela desbloqueada. Hora do check up semanal.

Vai pagar pra ver?

Aconteceu com uma pessoa bem próxima e acontece todos os dias desde que o ser humano colocou na cabeça que o amor é uma propriedade privada: é meu e ninguém tasca.

Pessoas ciumentas são inseguras, controladoras, nunca desligam o tal “prestador de atenção” que funciona como um radar supersônico e a finalidade é sempre pegar alguém com a boca na botija. Elas se pautam em contratos, acreditam que uma aliança cravejada de brilhantes é suficiente pra segurar qualquer relação e se não funcionar apelam pra joguinhos psicológicos, chantagem emocional, ou qualquer atitude mirabolante que impeça o outro de voar pra bem longe.

O gran finale do casal veio naquela noite em que a esposa aproveitou o ronco do marido pra xeretar as mensagens do Whatsapp dele. Lendo conversa por conversa, ela fatalmente ficou de frente com o inimaginável: ‘Não sei mais o que fazer, isso está me consumindo’. Ele planejava o divórcio por baixo dos panos. E não havia outra mulher em jogo – era uma escolha.

Aquilo foi como ter levado uma baita bordoada na cara. Logo ela que sempre esteve no controle de tudo, que passou os últimos anos fazendo inspeções olfativas nas suas roupas, procurando bilhetes nos bolsos, monitorando todas as mensagens das redes sociais sem que ele soubesse, sempre atenta para desviá-lo do caminho das piriguetes de plantão. Investiu todas as energias na fixação de mantê-lo protegido ao invés de se preocupar em ser uma companhia melhor.

O ciúme é um daqueles demônios que nos destrói aos poucos, como um cupim que vai consumindo a madeira até virar pó. E tudo, antes sólido, vira farelo vulnerável a um simples sopro. É como se ligassem um pisca alerta no inconsciente: você vai perder isso, você vai perder isso, você vai perder isso. E quase sempre perde. Os conselhos de avó são de uma sabedoria fora do comum: pássaro que vive em gaiola, quando solto, não volta nunca mais.

Sabe aquela pessoa que fica na porta de uma loja de departamentos oferecendo o cartão de vantagens da empresa? Ela é treinada pra nos convencer a aceitar a proposta de adesão. O nosso “não” ela já têm. Então se você diz “sim” logo de supetão, ela se perde, fica zureta das ideias porque isso não estava no script. O mesmo acontece com os ciumentos patológicos, no roteiro deles você está sempre tentando pular a cerca e em algum momento será colocado contra a parede sendo obrigado a assumir coisas que nunca fez. Mas se você muda as regras do jogo, assume uma traição na maior cara de pau, ou desiste de brincar de casinha... O mundo deles desaba. Para muitos, sentimento de posse é mais importante do que a própria traição.

O universo é maior que a nossa infantilidade esquizofrênica; essa mania de perseguição desenfreada, de achar que alguém quer tomar o que é nosso; a paranoia de que podemos levar um pé na bunda a qualquer momento. Esses pensamentos roubam a nossa tranquilidade, trazem um desconforto emocional difícil de conviver e acabam por afastar as pessoas que tememos perder de vista: o verdadeiro coquetel do diabo. Se um dia alguém decidir sair do relacionamento não há nada que possa ser feito, acredite. Tudo bem que isso pode não soar muito justo, mas o mundo é justo?

Existem caminhos e atitudes mais certeiras do que ficar se lamuriando, sofrendo por problemas ou coisas que nunca irão acontecer. O diálogo está morrendo, nunca fomos tão tristes e inseguros. Precisamos parar pra colocar a mão na cabecinha e pensar quantas regras ridículas a gente precisa passar pra estar com alguém: permissão de um juiz pra casar ou divorciar, o governo decidir se seremos ou não reconhecidos como instituição família, aceitar os amigos do outro que não foram com a nossa cara, enfrentar as contrariedades dos pais... Tudo isso pra depois ter crise de ciúmes e colocar tudo a perder?

O mais inteligente é tentar segurar a onda, amar sem ficar se torturando, abandonar as misérias mentais que ficam fabricando fantasmas, ter mais autoconfiança pra levar uma vida a dois sem se intimidar com a concorrência, honestidade para aceitar as próprias limitações e entender que quando alguém nos acorda na calada da noite com um ‘Eu te amo’,  isso significa “Não quero te perder”. Desconfiar de um sentimento é arremessar a felicidade pela janela – é ser um chato de galochas.  

Bruno de Abreu Rangel
brunoranelbrazil@hotmail.com

sábado, 18 de julho de 2015

As verdades secretas dos garotos de Ipanema

Saiba o que ninguém nunca teve a coragem de dizer



Pode até parecer que eu esteja incentivando a ira, destilando um veneno bem amargo, pegando carona no bonde dos invejosos e recalcados. Mas não, estou apenas listando alguns dos desabafos que venho colecionando dos meus leitores ao longo desses últimos meses. Antes de jogar a m*rda no ventilador conscientizei-me de que qualquer verdade, por mais secreta que seja, tem duas versões: a minha e a sua. Tudo está atrelado ao bendito ponto de vista.

Dois garotos estão vendo a praia de Ipanema pela janela, um enxerga um paraíso natural onde se pode respirar a liberdade, ser o que você quiser, se apaixonar pelo mar, se refrescar com água de coco e quem sabe matar a sede de amor; o outro enxerga um cartão postal com um desfile de sarados que se sentem o crème de la crème, famintos por sexo, viciados em reconhecimento e vislumbrando a possibilidade de tirar algum proveito.

 E você, o que enxerga através da sua janela?

**********

Uma agência de modelos a céu aberto: será mesmo? Tenho as minhas dúvidas. Sem querer simular a teoria do caos, mas o que aconteceria se os anabolizantes desaparecessem do mercado? Não ia sobrar meia dúzia de galãs pra contar história. Enquanto isso, muita gente segue acreditando que ter um amigo fotógrafo e algumas fotos tratadas vai ser suficiente para tornar-se numa “Angel” da Victoria's Secret. Book rosa? Que nada, são 50 tons de cinza mesmo e com direito a chibatada, chave de braço, sexo selvagem – tudo 0800. Até que a ficha caia ficamos nós, com cara de paisagem, dividindo o calçadão da praia com esses modeletes que desfilam com o ar da Gisele e a conta bancária de um Zé Ninguém.

Vaginas: está faltando originalidade na turma dos boys machões. Fazer uma série de esportes radicais, com direito a trilhas na pedra da Gávea que renderão fotos da série lek-brother? Isso já é coisa do passado, o lance agora é o Universo Paralelo. E além de eles estarem sempre batendo cartões nas festas e raves com seus óculos escuros, cordões de prata que pesam mais do que sucata de ferro velho e tatuagens que decoram todo o corpo ultra bombado, estão constantemente acompanhados por uma “racha” linda de causar inveja, podem reparar - mas procriar com elas que é bom – ninguém quer. Não se enganem a finalidade das vaginas por perto é disfarçar a insegurança que ficou perdida lá no armário. O que se passa na cabeça de um gay que acredita ser hétero e se apresenta como superior aos demais? A pior parte é que nessa galáxia em expansão chamada Ipanema, você chuta um coqueiro e caem uns dez com esse perfil.

O pavor em falar sobre o HIV: nos países mais desenvolvidos, antes das pessoas partirem pros “finalmentes” é de praxe alguém perguntar: você é soropositivo? Isso não quer dizer que ela desconfie de você e muito menos significará a sua sentença de morte.  Mas no Brasil, o temor dos anos oitenta ficou tão impregnado que muitos chegam a parir um filho quando são questionados sobre qualquer DST. Basta olharem nas redes sociais, postagens sobre a nova balada de Sábado: 185782948392 curtidas; a cura da AIDS: 14 curtidas e um ‘adorei o artigo’. Ipanema é um elevador gigante, um entra e sai muito louco, todo mundo se conhece e para em todos os andares. É muito importante ficar atento porque o que nos leva à cobertura também nos manda pro subsolo. Se em algum momento você se descuidou, o mais plausível é fazer um exame e ficar de bem com a consciência.

A necessidade de serem os mais belos: é difícil para a grande maioria entender que às vezes vamos dobrar a esquina e dar de frente com alguém mais bonito do que a gente, nem que seja 2% a mais, mas aceita – dói menos. Em tempo, é bom lembrar que a beleza está muito além de um rostinho bonito e uma barriga cortada. Algumas pessoas se destacam naturalmente sem precisar fazer força: têm carisma, magnetismo, brilho próprio... E não adianta aumentar as doses cavalares de Whey Protein, isso não está à venda, nasce com a pessoa.  Então é melhor entrar num acordo com o espelho e entender, de uma vez por todas, que a vida não é um circuito de Barcelona porque um dia, do nada, a gente vai acordar e enxergar o reflexo de uma pessoa amargurada, que perdeu a juventude desperdiçando tempo tentando ser um pouco mais notado.

Anuptafobia (o medo de estar solteiro): não é só a palavra que é difícil, a situação de quem sofre isso também. São pessoas que vivem a procura de motivos pra cortar os pulsos porque não conseguem lidar com a própria companhia. Ficam quicando de festa em festa, experimentando paixões aditivadas, tendo aventuras amorosas mais rápidas que um ciclo de anabolizantes e terminam com o coração e o fígado - estraçalhados. Gente de mente inquieta, de emoções confusas, que são tomadas pelo terror da casa vazia, que perdem as estribeiras quando alguém decide ir embora da relação porque começar tudo de novo é decepção de dar pano pra manga – ou pra camisa de força. Pra fugir das gotinhas de Rivotril o garotão de Ipanema sempre dá o seu jeito: arruma uns peguetes da espécie ventania, só pra quebrar o galho mesmo.

A vergonha de assumir o papel sexual: ser passivo não torna ninguém menos homem. Isso é uma herança machista de uma sociedade preconceituosa da época em que azul era para meninos e rosa para meninas. É preciso resetar o cérebro pra não cair na cilada de achar que o ativo é o macho da relação, isso é uma tremenda armadilha em que a isca da ratoeira será você mesmo. O mais comum é ver alguns infelizes se dirigindo aos passivos como “ela”, se colocando num degrau acima porque no passado mamãe ensinou que quem planta a sementinha é o papai. Sexo tem que ser algo sublime, a gente não tem que se envergonhar do nosso papel seja ele A, B ou AB. É por essas e outras que algumas relações ficam pouco tempo em cartaz. A pessoa cria um personagem de que é o Ricardão pegador e com o passar do tempo se vê travada com um texto decorado, sem se permitir ao improviso, sem o desembaraço de assumir novos papéis indo em direção ao fracasso de bilheteria.

O desfecho não é lá um dos melhores. Com esse boom imobiliário, o preço do metro quadrado foi lá nas alturas e a galerinha que tinha “mais pompa do que circunstância” desapareceu na velocidade da luz. Os novinhos entraram em extinção e os garotos que permaneceram já passaram dos 30, estão mais pra paizões (apesar de grande parte ter dificuldade de aceitar isso). Será que Ipanema está com os dias contados?  Se conseguirmos um ingresso para o túnel do tempo, veremos que há alguns anos Copacabana era a princesinha do mar, abarrotada de gente rica, bem criada, de gatas e gatos – hoje velhinhos, que caminham pelo bairro com um saudosismo de dar gosto, porque uma coisa é certa: eles também tiveram as suas verdades secretas, no entanto gozaram da sorte de viver numa época em que as pessoas eram mais acessíveis e menos virtuais.


Bruno de Abreu Rangel


quarta-feira, 8 de julho de 2015

A casa caiu para os mafiosos da fé

Entenda por A + B porque eles rejeitam gays



Não digo ‘amém’ pra tudo que escuto, mesmo porque ninguém tem respostas pra tudo. Todas as religiões têm suas teorias sobre a morte, céu, inferno... Mas nenhuma certeza nos é garantida. A nossa única segurança é o espaço de tempo entre a maternidade e a funerária, e é melhor que saibamos aproveitar essa oportunidade dada pelo “Cara lá de cima”. A maioria das pessoas que conheço não tem a menor ideia do significado do milagre que é essa coisa chamada de vida. Então fica fácil condicioná-las, criar um terror em suas mentes com a desculpa de que a única salvação virá através de um Deus que só concede a entrada no céu através de um pagamento adiantado: dez por cento da sua renda até o fim dos seus dias e você tem direito a um bate papo com o Altíssimo.

Nem os bancos lucram tanto.

Mas o assunto é homofobia religiosa. E até onde sei esses pastores viciados em holofotes nunca repudiaram os gays, jamais hesitaram fechar as portas para os drogados, ex-traficantes; não julgaram os ex-detendos, os assassinos em série, as pessoas que cometeram o maior dos pecados. A grande jogada de marketing era alcançar um nicho do mercado que a igreja católica vinha perdendo ao longo dos anos (depois de queimar muita gente nas fogueiras da Inquisição, já estavam mais do que queimados na praça). Então a tática foi um tanto quanto óbvia: qualquer pecador que entrasse nos seus templos e se convertesse num servo de Deus receberia um carnê invisível para pagar em “suaves” prestações a sua morada no céu e, assim feito, zeraria o cronômetro. Tipo tirar o nome do SPC, ou SPCéu. “As pessoas pecam tanto que depois viram evangélicas”, o próprio Sílvio Santos teve esse momento de desabafo.

A lavagem cerebral é tão bem arquitetada que sei de casos em que pessoas tiram comida da boca dos filhos pra comprar a tal vassoura ungida de mil reais que varre todo o mal de suas vidas.  Tem muita gente se aproveitando da desgraça alheia usando Jesus como cartão de crédito. Verdadeiros lobos em pele de cordeiro tentando arrancar até o que as pessoas não têm pra se enriquecerem.

E não para por aí, a bancada evangélica, ao expor todas as formas de pecado, pisou fora quando tratou a homossexualidade como uma doença deturpada do espírito, ou melhor, da alma – porque eles também não suportam e nem mesmo respeitam as doutrinas que acreditam em vida após a morte.  Mas eles estavam afoitos para atrair o público arco-íris que tem um elevado poder aquisitivo. Por não constituírem família os gays não têm despesas com filhos, escolas, material didático e uma série de custos que os colocam no topo de consumidores em potencial: viajam de primeira classe, passam férias na Europa, usam grifes caríssimas, perfumes importados, fazem tratamentos estéticos com peeling de ouro...  

Quem não quer esses clientes? O Boticário quer, a Leite de Rosas, a Coca Cola, o Facebook, a Louis Vuitton e outras grandes empresas como a própria Universal e a Assembleia de Deus – mas o tiro saiu pela culatra. O “Avivamento”, campanha de captação de fiéis (lê-se clientes) tão bem sucedida, até aquele momento, falhou quando os militantes homossexuais entraram em cena e deram a cara pra bater. Aí toda aquela conversa de “Amar ao próximo como a si mesmo” terminou num balaio de gato.

E tudo o que se vê desde então é uma batalha Gospel-glbt. É boicote à novela, à propaganda de TV, à marca X, Y,Z, pedrada – violência - caixão. E fico tentando imaginar como os evangélicos se posicionam quando o cabelereiro é gay. Quando o maquiador do próprio casamento tem trejeitos, quando o comissário de bordo da primeira classe tem uma finesse mais apurada, quando homens com uma tremenda sensibilidade despendem do precioso tempo pra confeccionar um vestido que sai de um ateliê lá da França e vem parar nos seus closets tupiniquins. E os escritores, jornalistas, atores, toda a turminha que sustenta a própria TV evangélica? Vão boicotar essa galera também, ou vão compactuar com o diabo?

Vamos deixar essa lição como dever de casa. Quem assumir a hipocrisia leva um 10!

Muito nos surpreende o fato de que a nossa vida entre quatro paredes possa incomodar tanto. A alta patente cristã poderia estar se preocupando mais com os cracudos da Cracolândia, preenchendo o tempo com projetos sociais que pudessem tirar crianças das ruas, salvar os brasileiros abaixo da linha da pobreza que se multiplicam tanto quanto o número de fiéis, mas não - eles querem fiscalizar a sexualidade alheia - propagando discursos de ódio, usando Jesus como testa de ferro pra justificar o mal que existe neles, criando exércitos com um grupo de alienados que estão sendo adestrados para um futuro atentado aos direitos humanos. Bem vindo ao novo Estado Islâmico, versão tupi guarani. Já não vimos esse filme antes? A história do mundo se repete (fanatismo religioso X crueldade). E dessa vez o cenário é no lado de cá, no país do Pau Brasil – ou da mandioca.

Estejamos atentos, porque os mafiosos da fé alheia já se infiltraram no Congresso Nacional e estão se aproveitando da bagunça de Brasília pra se fortalecerem; firmarem pactos com partidos que nem o diabo ousaria tentar; apertar as mãos daqueles que fecharão os olhos para as suas tramoias fiscais capazes de sustentar pilares como o templo de Salomão, inúmeras vezes maior que o original. Se esse Cristo que eles tanto pregam realmente existe, deve estar no plano celestial arrancando os cabelos e pensando que sua vinda ao planeta Terra foi uma grande perda de tempo porque, apesar de muita gente ter pulado esse parágrafo, a Bíblia é bem clara: “A boa reputação vale mais que grandes riquezas”. (Provérbios 22:1) E com essa me despeço.

O meu louvor vai para os evangélicos que, com suas crenças, seguem em direção à luz, aos que vivenciam os ensinamentos de Cristo ocupando o coração com alegria, sendo instrumentos do bem e erguendo as mãos aos necessitados sem dividir uma coisa a outra, sem aquela preocupação mesquinha de orar em troca de uma casa num condomínio de luxo, ou num lugar onde se tem harpas e cisnes brancos.


Bruno de Abreu Rangel

quarta-feira, 17 de junho de 2015

Aos cinderelos de plantão:

Já está disponível a nova versão do príncipe encantado


O que mais tem acontecido é isso. “As princesas” caíram no conto das bruxas, morderam a maça e estão desencantadas, jogadas no chão, perdidas num sono profundo – esperando por um príncipe que nunca aparece.

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Aconteceu no metrô de Botafogo. É uma estação que integra as duas linhas do Rio de Janeiro (Norte e Sul) e, portanto, é uma das únicas onde ambas as portas se abrem tanto do lado direito quanto do esquerdo, ao mesmo tempo.

Da plataforma onde eu estava havia um rapaz que beirava seus trinta anos de idade, bonito na medida, corpo em dia, um rosto familiar daqueles que a gente acredita se parecer com umas trocentas pessoas. Notei que ele ficou bastante entusiasmado quando um loirinho - um pouco mais novo - apareceu do outro lado e ficou de pé na sua direção. Foi uma troca de olhares tão fatal que a cena pedia uma trilha sonora de novela. Alguns sorrisinhos sem graça daqui, bochechas coradas de lá, e sobre suas cabeças, aquela fumacinha de desenho animado com a legenda: apaixonei.

Depois de cinco minutos que pareceram uma eternidade, o trem que seguia em direção a Ipanema, finalmente surgiu. As duas portas se abriram e os príncipes iriam viver felizes para sempre, bem diante de nossos olhos. Eu, o moço de trinta, e outras centenas de pessoas ocuparam os vagões. Foi aquele corre-corre pra conseguir um assento enquanto ele era o único sujeito que desejava ficar de pé para receber o seu futuro amado – que não entrou no vagão. (Mais uma história daquelas em que a bela está adormecida e o príncipe não vem).

Fiquei com os olhos encharcados. Estava presenciando uma frustração amorosa bem à luz do dia. O rapaz estava roxo, desconcertado, sem acreditar no constrangimento que teria criado pra si mesmo. Um barulhinho irritante anunciou que as portas iriam se fechar. O loirinho começou a mexer no celular e nem hesitou numa despedida com os olhos.

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Nos contos de fadas de hoje em dia, quase todos os pares são ímpares. O “X” da questão é que o feio quer o bonito, o bonito quer o lindo e o lindo se acha demais pra aceitar qualquer pessoa. Enquanto ninguém resolve essa matemática... Todos ficam sozinhos.

Aquele homem de linhagem, que montava um cavalo branco e que estava à procura de uma princesa que calçasse o sapatinho de cristal, foi durante um tempo, substituído pelo bonitão bem sucedido que poderia te buscar na porta de casa com uma Ferrari e um cartão de crédito sem limites, capaz de transportar qualquer um para a terra da magia. Traduzindo para a versão tupiniquim, seria aquele “garotão de Ipanema”: lindo, bronzeado, saradão, com cem milhões de seguidores no Instagram e uma promessa de que estar ao seu lado é mais interessante do que qualquer história de Walt Disney. Vai cair nesse conto?

Essa versão também já caiu por terra.

Homem bonito e malhado é a coisa mais fácil. Encontra-se aos montes nas redes sociais, nas festas, nas esquinas de qualquer lugar sem importância. E hoje, basta ter um emprego para custear uma academia e um ciclo de anabolizantes. Nunca foi tão fácil ficar bem na fita.
Raro é encontrar alguém que vai comprar o nosso partido.

O príncipe encantado de agora é aquele que nos dedica um capítulo inteiro da história, é aquele gentlemen elegante nos gestos, que nos dá atenção, nos surpreende com pequenos detalhes que passariam despercebidos até pelos nossos pais. É aquela pessoa que consegue nos ler, sem que precisemos pronunciar uma só palavra. É o conforto espiritual compactado numa conchinha que não dá vontade de largar. É alguém que, mesmo depois de algum tempo, nos faz contar os minutos esperando a sua chegada do trabalho. É o homem que vai nos ajudar a resolver todos os problemas que a gente NÃO tem quando está solteiro – porque o amor acontece bem mais tarde, quando já viramos abóbora.

O príncipe encantado é alguém que nos fará despertar... Despertar um fascínio pelas coisas mais simples, que nos deixará surpreendido pelo “de repente”. E de repente você só precisará estar preparado pra dizer SIM, sem aquela voz que fica gritando ‘Pra sempre’ na cabeça. O amor é muito humilde, tímido e precisa de leveza pra se estabelecer.

E como faz pra encontrar esse príncipe? Volte para o seu castelo e destranque tudo. É melhor seguir o conselho de Chico Xavier, porque “A felicidade não entra em portas trancadas”.


Bruno de Abreu Rangel


quinta-feira, 28 de maio de 2015

5 dicas para ter um relacionamento aberto sem colocar o casamento em risco




Em alguns lugares, talvez eu fosse preso só pela audácia de tocar num assunto desses. Felizmente a liberdade de expressão ainda é uma das poucas vantagens que nos restaram na terra do futebol, que também nem é mais do futebol. Como as coisas mudam, não é mesmo? O que dirá o nosso ponto de vista. É melhor não dizer “Dessa água não beberei”, porque quando a gente se dá conta está tomando litros e se afogando nas palavras que disse.

Antes de qualquer coisa, é de bom tom esclarecer que a união entre duas pessoas nada mais é do que um contrato bilateral. Desenhando, isso inclui: homem com mulher, homem com homem, mulher com mulher e outra infinidade de gêneros que fogem da nossa alçada. Ninguém está livre de se apaixonar por outra pessoa sendo o relacionamento aberto ou fechado. Pode acontecer na fila do banco, no meio do supermercado, no caminho para o trabalho, ou até dentro do trabalho. Aliás, se os escritórios falassem... Se a gente entendesse que quase todos os relacionamentos terminam pelo mesmo motivo, seria melhor pensar em outras alternativas antes de descobrir que está sendo traído. Bom, vamos ao que interessa.

Saiba abordar o assunto: não banque o sem noção que vai escancarando a relação como se tivesse perdido o interesse nela. Coloque as cartas na mesa, mas com cautela. Se você já tem o mínimo de intimidade com a pessoa saberá como tratar de assuntos delicados e tem uma ligeira desconfiança de como ela poderá reagir. Se achar que um bate papo pode ser intimidador demais vá comendo pelas beiradas. Na hora “H” sussurre algo do tipo: imagine aquele gostosão que vimos na praia aqui agora te pegando pelo pescoço... Se a pessoa der um sussurro mais caliente, bem vindo ao “quem sabe pode rolar”. Se a pessoa te jogar da cama, partiu monogamia, ok? Um conselho, se o seu relacionamento já acabou, não adianta forçar a barra. Colocar um terceiro indivíduo só vai causar mais estragos.

Estipule regras: esse é o momento crucial pra desvendar todas as suas fantasias. Uma cama bem resolvida pode salvar o casamento do marasmo. Afinal, arroz e feijão a vida toda, haja estômago. Tudo bem, algumas coisas você não precisa contar pra sua mãe, mas pra pessoa que você divide o lençol não pode existir segredos, do contrário será o início do fim. Estabeleça as regras, o que é permitido e o que não deve acontecer sob quaisquer circunstâncias.  A terceira pessoa é como uma visita, e um convidado tem zero influência sobre a sua casa. É bom que isso esteja bem esclarecido entre as partes. Algumas regrinhas não podem faltar na lista: sexo seguro; não convidar o coleguinha da faculdade (amigos em comum nem preciso comentar); escolher sempre alguém que atenda ao critério dos dois; não permitir a utilização de smartphones durante o ato (a não ser que vocês não se importem em ser atração no Youtube, Youporn, Youqualquercoisadesagradável). Assim como a nossa digital, cada relação é única, portanto há um universo de assuntos a serem discutidos a dedo até chegarem em comum acordo.

Tem que ser bom pros dois: se um gosta só de negros, o outro só de brancos, no mínimo tem que rolar um mulato, senão cabeças rolam. Outra dica importante, os três têm que interagir. Ponto. Já soube de casais em que o cara sempre queria uma terceira mulher e nunca abria mão do terceiro homem. Preciso contar o final? A mulher se apaixonou por outra mulher e ele - que chupava muitas coisas - ficou chupando o dedo. Há ciladas também nos relacionamentos gays em que um é versátil (faz as duas coisas) e o outro é somente passivo. Vai convidar mais um passivo? Já consigo ver roupas sendo jogadas pela janela e um drama que respinga até no Facebook. As meninas que gostam de meninas também têm suas adversidades. Apegadas como só elas são, encaram o sexo a três como um clube da Luluzinha. Chororô na certa.

Coloque os abusados pra correr: se não funcionou pra um, não funcionou para os dois. É assim que acontece, combinado? Do contrário vira a casa da Mãe Joana. Terá sempre um engraçadinho que não fará a política da boa vizinhança e vai cair pra cima de um só, sussurrar nos ouvidos, trocar carícias em excesso, piscada de olhos às escondidas. Crie sinais entre vocês para dizer um ao outro que não curtiram a pessoa e delicadamente a convide para se retirar. Invente uma historinha, simule a ligação de um parente doente, ofereça um café, comente a chegada de um meteoro, qualquer coisa, use a imaginação. Agora, se o intruso for abusado demais, começar com papo de signo, projetos de vida, coloque-o pra correr antes que ele comece a fazer um mapa astral no meio da cama. Lembre-se, seu parceiro vem sempre em primeiro lugar.

Converse entre vocês: essa é a receita do bolo. Nunca minta, nem omita, a não ser que parte do contrato seja sair com quem quiser sem que o outro saiba. Caso contrário, não deixe que alguma situação embaraçosa traga ciúmes pra relação. Por mais gato garoto que você seja, não se sinta o último biscoito do pacote porque química é um mistério e está muito além de um corpo sarado. Seja cuidadoso pra não cair do cavalo. Algumas vezes você atrairá mais atenção, noutras será a sua vez de dividir o palco. Outro tópico a ser definido é a frequência. Você não precisa ir a Disney todo fim de semana pra se divertir e sair da rotina. É muito importante ter em mente que uma aventura não pode dominar a sua relação. Assim sendo, conversem. Coloquem os pingos nos iis. A gente acaba criando espaços enormes com coisas que não dizemos às pessoas.

Um estilo de vida fora do convencional pode não ser tão simples e isso não quer dizer que você seja imoral, mas sim verdadeiro com os próprios sentimentos. Contudo, esteja psicologicamente preparado antes do “Li e estou ciente dos termos do contrato”, pois uma vez que você abra essa porta pode não ter volta.

Bruno de Abreu Rangel

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Os eternos solitários do paraíso artificial

Agora que o verão passou, todos querem namorar.

                                                         
                Imagem ilustrativa do filme “Paraísos Artificiais”.

Acabou a lua de mel com o verão.

Apesar de ser a estação do sex appeal já estávamos fartos de suar feito porcos e ter que ir à praia pegar câncer de pele pra provar ao mundo que curtimos a vida. Graças ao bom Pai, as chuvas deram sinal de vida, as temperaturas ficaram amenas e o nível do Cantareira subiu - inversamente proporcional ao nível das boates, que, diga-se de passagem, estão lá no chão. Onde foram parar os partidões, os lindos, “ricos e famosos”, que coloriam as baladas?

Parece que recolheram o tapete vermelho, desligaram os holofotes, as cortinas se fecharam e o espetáculo terminou. Todos os personagens voltaram pra vida real onde se tem contas pra pagar, uma pilha de roupas pra lavar, e uma série de questões pessoais pra colocar em dia. Cada um com seus problemas. Bom, isso até o ano que vem, quando começa tudo de novo: academia de Segunda a Segunda; frango grelhado e batata doce (manhã, tarde e noite); oito horas de sono cronometradas, ciclo de anabolizantes que a pessoa jura de pé junto nunca tomar; Whey Protein, cookie de Whey Protein, bolo de chocolate com cenoura (de Whey Protein); praia todo final de semana; filtro solar; filtro do Instragram... Todos no circuito do mata leão – mordida de pescoço – parede.

Como tudo tem tempo de validade... O que acontece quando a festa acaba? Qual o preço que pagamos por um dia no paraíso artificial?

O outono é pra poucos. Inicia-se a época do recolhimento: as pessoas ficam mais caseiras, sensíveis; um tanto quanto inibidas, já não vão à padaria quase nuas; o frango grelhado vira Mcdonalds (a dieta entra em greve por tempo indeterminado); os cinemas ficam mais disputados por pombinhos felizes; os aplicativos de pegação bombam de perfis do tipo “querendo algo sério” e os restaurantes, recheados de casais apaixonados desejando um amor pra vida toda que, em outras palavras, significa: me distraia até o próximo verão? As relações, nos dias de hoje, não se sustentam por muitas estações.

Viver sozinho é duro. Passamos a vida toda sendo despistados por convenções, datas comemorativas, eventos que se repetem, fatos irrelevantes que vão e vem. E, quando nada de novo acontece, pensamos que talvez seja a hora de ter uma companhia. Mas, diferente do que muitos pensam, relacionamento não é algo tão fácil que você cria um perfil no Grindr e bingo: encontrei a tampa da minha panela. Não funciona assim.

A busca incessante pela pessoa ideal virou caso de polícia. Hoje ninguém se permite estar com alguém sem antes fazer uma breve investigação sobre os seus passos, seguindo a linha do “Eu sei o que você fez no verão passado”. E, se após essa etapa, todos os itens da lista dos desejos não forem atendidos: tô fora. Esse já ficou com duas pessoas na academia, não serve. Aquele gosta de Beyoncè, o outro é cabelereiro, o fulano mora na Zona Norte, o ciclano não tem todos os gominhos da barriga, próximo!

Dia desses presenciei um rapaz tentando puxar assunto com um bonitão numa dessas casas de suco que encontramos a cada esquina de Ipanema. Perguntava, pisando em ovos, se ele saberia indicar um bom lugar pra sair naquela noite de Terça Feira e sua resposta foi curta e grossa: joga no Google. E virou o rosto. Senti vergonha pelos dois: um por ter sido vítima de um mal educado estúpido, e do outro por ter criado um mundo em volta da sua arrogância, sendo impossibilitado de se permitir ao imprevisível. Perdeu, em algum momento de sua existência, o senso de humor da época em que uma cantada nos tirava um sorrisinho no canto da boca. O amor pode acontecer onde, quando e com quem a gente menos espera.

Precisamos ficar mais relaxados, parar de entrar na paranoia de que o primeiro encontro é uma entrevista de emprego. Não existe mais aquela inocência de sair com um bonitinho e ver no que vai dar. O que aconteceu com o “vamos caminhar na praia e dar uns beijos”? Estamos aprisionados na síndrome do casamento (a pessoa acaba de conhecer e já quer saber se é pra casar). Daí rola aquela dança das cadeiras: cinco minutos pra cada um e terminam no zero a zero.

 E assim seguem a vida como se estivessem numa eterna boate, circulando pela pista de dança, flertando aos montes, se “esbarrando” com todos os tipos de pessoas, tendo conversas superficiais que não dizem nada, e voltando para suas casas com uma impressão de que algo está faltando. Até mesmo os bem-sucedidos, que tiveram retorno na carreira profissional, que esbanjam um saldo na conta bancária e conseguiram custear uma série de produtos que transformou o corpo... Entram e saem com a sensação de estarem sozinhos. Apesar de levarmos a vida como se a juventude fosse eterna, o tic tac do relógio nos faz lembrar que ninguém está ficando mais novo. Quando a onda da bala passa, um dia de boate pode equivaler a cem anos de solidão.

Vamos combinar, a night não está na sua melhor fase; os amigos mais próximos estão ocupados com a própria felicidade; as redes sociais já estão dando preguiça (um bando de solitários se auto boicotando, sendo forçados a acreditar que um milhão de curtidas equivale a uma noite de amor no mundo real); a TV anda de mal a pior: 3.242 canais – e nada que nos prenda a atenção. Isso não nos soa familiar? Muitas opções, muitas escolhas e nenhum xeque-mate.

Não há nada de errado em sair com os amigos pra curtir uma boa música. A questão, definitivamente, não é estar na boate, mas fazer parte dela, ser mais um figurante que lota a pista de dança sem fazer nenhuma diferença na vida de alguém, ou pra si mesmo. Desperdiçar todas as energias com o excesso, passar todo tempo ocioso encarando o suor de pessoas que a gente mal conhece, se esquivando de um Sábado sem grandes acontecimentos, temendo cair num marasmo e bater de frente com o silêncio. Às vezes, solidão é simplesmente o estado natural das coisas e como uma tempestade, ela vem e passa.


Bruno de Abreu Rangel